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ENTREVISTA

Um livro para degustar

Rubem Alves lança “Variações sobre o Prazer”, reedição do “Livro Sem Fim”

     Sofrimento e prazer. Era o livro que ele diz, já de cara, no prefácio, que não deveria ter escrito. Não achava o fim. Mas lendo que Albert Camus queria escrever tudo que lhe passasse pela cabeça, “sem ordem” (Cadernos da Juventude), e morreu antes, decidiu fazer um Livro Sem Fim (2002, Loyola) que, na reedição, lançada agora pela Planeta, virou Variações Sobre o Prazer.

     Um livro saboroso, feito para ser devorado. Rubem Alves, poeta, cronista, teólogo, psicanalista e escritor com mais de 80 obras publicadas conseguiu, como um chef, juntar e temperar, nele, como ele mesmo diz, “palavras que são boas para comer”.

     – Essa é a verdadeira função de um escritor – defende, em entrevista para falar da publicação, um livro sem notas de rodapé mas, como foi feito para ser comido, com notas de “canapé” para se saborear na caminhada por Descartes, Nietzsche, Marx, Agostinho de Hypona, Kierkegaard, Kant com paisagens e contrapontos de Goethe, Mário Quintana, Fernando Pessoa, Roland Barthes, Manoel de Barros, Octávio Paz, García Márques, Gustavo Corção, Borges... Uma delícia.

     O escritor garante: não fez um livro contra o método. Mas não nega: o fez para libertar-se das regras do discurso acadêmico. Não queria um livro para a razão, um livro útil, do mundo dos saberes. Mas desejava tocar o mundo da sapientia – da sabedoria com prazer – que pudesse ser “corpo e sangue” dele, experiência dele, os sabores que ele fosse capaz de contar para todo mundo que experimentou e que lhe deram alegria, mas para o qual os “saberes” – o conhecimento somente – não serviriam, porque não conseguiriam traduzir o gosto.

     O sofrimento, como no parto, passou. Ficou o livro, filho gerado pelo prazer.

ENTREVISTA

Pergunta – Por que logo de saída, no prefácio, você avisa: “Eu não deveria ter tentado escrever este livro”?

Rubem Alves – Porque o livro estava me fazendo sofrer. Fiquei obcecado com a ideia, que me parecia muito boa. Todos os meus momentos livres, eu os dedicava a escrever. E, com isso, não me sobrava tempo para o prazer. Escrever deve ser uma experiência de felicidade.

Pergunta – Variações Sobre o Prazer apareceu como contestação ao método, ressistematização ou por puro prazer, para negar tudo isso?

Alves – Não, eu não estava pensando em contestar o “método”. O que eu queria era fazer o que Albert Camus desejava. No seu Cadernos da Juventude, escreveu: “Quando tudo estiver acabado: escrever sem preocupação de ordem. Tudo o que me passar pela cabeça”. ( A. Camus, Primeiros Cadernos, p. 427). Ele não teve essa chance. Morreu antes. O Assim Falava Zaratustra é um exemplo dessa desordem, as palavras sendo levadas pelo vento... O consciente marcha. O inconsciente dança...

Pergunta – Qual o peso que o “crepúsculo” (a velhice) teve na decisão de trocar os “saberes”, o conhecimento formal, bom e útil, pelos “sabores”, o saber com gosto, alegria, prazer?

Alves – Precisei, primeiro, libertar-me das regras do discurso acadêmico. E isso aconteceu não por uma decisão pensada, mas pela experiência com a minha filha pequena. Comecei a escrever histórias para crianças em resposta às suas perplexidades e sofrimentos. Essa experiência de escritor – que surgiu de repente, sem preparo – abriu as portas para o meu jeito de escrever para os adultos. Aprendi que quem lê com prazer aprende mais. Trata-se de uma filosofia de vida: “carpe diem – colha o dia”. É para isso que vivemos. Como disse Fernando Pessoa, “dia que não gozaste não foi teu, foi só durares nele”.

Pergunta – Que “feitiçaria” o senhor usa para escrever, que pode se transitar por diversos filósofos como quem mora num sítio e vai ao galinheiro buscar um ovo. E volta, e frita e come o ovo e se lambuza?

Alves – Gostei da metáfora.É isso mesmo. Cada uma dessas pessoas é um ninho de ovos. Compete ao escritor exercer com os ovos a sua arte de chef. Produzir palavras boas para comer. Não uso feitiçaria alguma. Não tenho um método. Palavras e ideias simplesmente vêm. Feiticeiro não sou eu. São as palavras.

Pergunta – Escrever com o sangue, com as feições da própria história, é o segredo? Este livro é “seu corpo e seu sangue”, uma “transubstanciação”?

Alves – Esse é meu desejo. Quero transformar-me no meu próprio corpo, para que os leitores, ao me lerem, fiquem um pouco parecidos comigo.

Pergunta – Todos os outros livros que escreveu foram sofridos ou lhe deram o mesmo prazer e alegria?

Alves – Não. Há livros que me dão alegria maior, nos quais me vejo refletido. Esse Variações Sobre o Prazer me dá grande alegria, a despeito do sofrimento. Vale para mim o aforismo de Blake: “O prazer engravida, mas o sofrimento faz parir”. Cada livro é um filho.

 

(Fonte: jornal ZERO HORA online)

 

 

 

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