POESIA REGIONAL
O Grito e a musa
— Caralhooo...
Sempre achei que uma boa história deveria começar a partir de lindas palavras e alguns pensamentos filosóficos, os quais levassem o leitor a um mundo particular e onírico. Mas talvez esta não seja uma boa história e nem se revele particular ou onírica.
A palavra gritada ao vento vinha carregada de dor e frustração. Já eram 3 da manhã e, ao descer a lomba da Matriz, o homem solitário amargava a decepção de um encontro não acontecido. Suas calças pretas surradas e uma camiseta do Matanza o tornavam parte da noite. O silêncio da madrugada era apenas quebrado pelo som de seu celular que teimava em tocar Green is the Colour, do Pink Floyd.
Tudo começara dois meses antes ao encontrar no Point X, uma lancheria da cidade, uma garota que lhe chamou atenção. Desde o início teimou-lhe chamar de Maria, talvez por cotejar a pele alva da garota a imagem que tinha da mãe de Jesus, ou outro devaneio qualquer. No entanto, o nome era algo que não lhe entretia a razão. Joice, o nome era esse, era uma das garçonetes da lancheria e carregava junto a si uma beleza de fato estonteante.
Desde então Leonardo começou a frequentar o local assiduamente nas tarde quentes do verão. Saía do trabalho e partia para o encontro de sua musa alva de seios fartos e bumbum arrebitado que vinha lhe atender entre meios sorrisos e uma seriedade distinta que a tornava mais atraente ao seu admirador.
No entanto, a timidez o impedia de proferir outras palavras além das tradicionais Bohemia ou Brahma. A degustação da bebida vinha sempre acompanhada de uma fatia de torta salgada ou uma porção de fritas, o que induzia Leonardo a adquirir calorias extras levando-o a uma incomoda obesidade que o tornava menos atraente ao olhar feminino mais apurado às tendências tanquinho do verão.
As semanas passaram e o acaso levou-lhe a descobrir o número do celular da garota: um amigo em comum, em troca de um favor, fornecera-lhe o número com a objeção de não ter o nome revelado em caso de uma investida fracassada de Leonardo. Em uma súbita coragem juvenil e alguns goles de cerveja, o arrebatado rapaz enviou-lhe uma mensagem convidando-a para um encontro na Praça da Matriz após o expediente. Mensagem enviada do Point X mesmo. A resposta veio à noite com um misto de curiosidade e apreensão. Dizia que Joice não costumava sair com desconhecidos e que este devia se revelar antes ou nada feito.
Leonardo viu-se em um dilema: revelar-se e confrontar-se com a resposta da garota ou permanecer escondido e nunca desvendar o que poderia ter sido. O fato é que naquele 03 de março ele enviou-lhe uma mensagem dizendo ser o assíduo frequentador da lancheria e que a esperaria na Praça da Matriz aquela noite.
Se a garota percebeu a falta do cliente aquela tarde na lancheria deu-se discretamente, pois de nada comentou com suas colegas. No entanto, Leonardo correu para casa aquela tarde para esperar o tão aguardado encontro, mesmo sem ter recebido resposta à sua mensagem. As horas se arrastaram como nunca dantes aquele dia. Por volta de 10 da noite estava ele na praça, mesmo sabendo que a garota poderia sair do trabalho só depois da meia-noite.
Seus pensamentos percorreram naquelas horas outras histórias ali acontecidas, matizes de encontros e desencontros. Desde os beijos trocados no banco o qual novamente sentava até a frustração da garota que o dispensara sem ao menos olhar para trás certa vez. Ainda teve tempo de ensaiar palavras a serem ditas para Maria e perceber que o melhor ensaio é a imprevisibilidade do momento, o arrebatamento das emoções pulsantes do instante vivido.
Ao descer a lomba, carregando o fado da derrota, perdeu-se na obscuridade de seus pensamentos. O grito silencioso acima descrito veio no mesmo instante que seus olhos perceberam o casal que vinha ao seu encontro. Sua Maria abraçada a um jovem moreno sorria distraída e, ao passar por ele, nem ao menos o notou naquela monótona noite de verão.
Leandro Terres Martins