ENTREVISTA
Aluno está acostumado com o mundo interativo, por isso a escola deve mudar, diz especialista em Educação à distância
por: Bruna Nicolielo - Portal Educar para Crescer - 20 de janeiro de 2010
Ipod, Orkut, Twitter, Facebook, e-readers... A disseminação da internet e de recursos digitais está promovendo uma revolução em vários aspectos da nossa vida. A Educação é uma das áreas mais afetadas, afinal os novos tempos exigem também novas competências e habilidades. Imersos em um mundo marcado pelo excesso de informação, agora os alunos têm de dominar muitas aptidões além do tradicional. Nesse cenário, mais importante que decorar fatos históricos é interpretar diversas fontes históricas e escolher aquela que é a mais significativa; mais importante que conhecer a fórmula de Báskara ou as Leis de Newton é fazer as perguntas certas e lidar não com nacos de informação, mas com temas transversais, que cruzam conhecimentos de várias disciplinas. Novos tipos de alfabetização são exigidos e hoje, os estudantes têm de interpretar imagens e códigos audiovisuais, não mais apenas textos verbais. "O aluno está acostumado com o mundo interativo. Se não gosta do programa, aperta o controle remoto e muda de canal. Quando ele vai para a escola e não gosta do professor ou da matéria, ele também quer nullapertar o controlenull", afirma Frederic Litto, fundador da Escola do Futuro, unidade da Universidade de São Paulo (USP) dedicada à pesquisa e ao desenvolvimento de projetos que aplicam a tecnologia à Educação.
Essa mudança de paradigma exige uma nova Educação, onde outras formas de aprender são valorizadas, em detrimento da Educação tradicional. "O mundo mudou, a escola não mudou. Mas tem de mudar", explica Litto, hoje presidente da Associação Brasileira de Educação à Distância (ABED). Ambientes virtuais de aprendizagem, como a Caverna Digital, um sistema de realidade virtual, ainda engatinham no Brasil. Do mesmo modo, a Educação à distância sofre duras criticas, apesar de crescer anualmente, apontam dados do Censo da Educação Superior, do Ministério da Educação (MEC). Esse universo é a especialidade de Litto, um americano que se graduou e doutorou nos Estados Unidos, mas veio parar no Brasil por conta de uma brasileira, que conheceu em uma universidade americana e com quem é casado até hoje: a biblioteconomista Inês Litto. Defensor das novas tecnologias, porém nada deslumbrado, Litto recebeu a repórter Bruna Nicolielo em sua casa, nos Jardins, em São Paulo. Na entrevista a seguir, ele fala sobre a Educação do Futuro, as mudanças que a tecnologia tem provocado na formas de aprender, educação à distância, entre outros temas.
1. Quais as tendências para a Educação do futuro?
Frederic Litto: A redução do número de aulas presenciais, complementada pela modalidade de Educação à distância, o aumento do uso de recursos tecnológicos e adoção da Internet em sala de aula.
2. Por que há tanta resistência à educação à distância?
Frederic Litto: Essa mentalidade conservadora é um grande entrave para pleno desenvolvimento da Educação à distância. Ela revela uma visão estática do mundo. O mundo mudou, a escola não mudou. Mas tem de mudar. Veja a reação contrária à criação da Univesp (Universidade Virtual do Estado de São Paulo). Pesquisas mostram a eficácia da Educação à distância, mas o potencial dela ainda não foi reconhecido por conta do conservadorismo. A resistência vem de diversos setores: dos empregadores, das faculdades de Educação. E a formação é um ponto nevrálgico da Educação. É preciso travar uma guerra contra a ignorância, contra o conservadorismo. Em outros países do mundo a Educação à distância é uma realidade. É possível fazer cursos de graduação, mestrado... Trata-se de uma possibilidade de democratizar o acesso à Educação. Além disso, o aluno brasileiro de cursos à distância é assíduo.
3. Quais as aptidões básicas do estudante do século XXI?
Frederic Litto: Saber fazer as perguntas certas, resolver problemas, interpretar textos e imagens. A formação também dará ênfase ao espírito critico, em como o estudante deve procurar a informação que precisa, deve tomar decisões e escolher, por exemplo, entre diversas fontes históricas, aquela que é a mais significativa.
4. As inovações tecnológicas estão mudando nosso jeito de aprender?
Frederic Litto: O aluno está acostumado com o mundo interativo. Se não gosta do programa, aperta o controle remoto e muda de canal. Quando ele vai para a escola e não gosta do professor ou da matéria, ele também quer "apertar o controle". A meninada não tem mais paciência com o professor do passado, porque eles estão caminhando com seus próprios pés. Isso tem uma vantagem. Agora o professor tem tempo de fazer um trabalho mais nobre, o de ser um conselheiro, um guia do aluno, ajudar o jovem a ler as entrelinhas do texto poético, literário ou de história, a interpretar sutilezas. Porque tem certas coisas que a tecnologia não resolve. Só mesmo o professor, apontando, dizendo "olha, pode ser assim, ou assim...". Por isso, o professor não pode apenas escrever na lousa, ser um entregador de informação, de conhecimento, como foi no passado. Com tanta informação, não dá para condensar isso em 90 minutos de aula. A Internet e CD roms, que contêm grandes acervos de informação factual, de textos, imagens e sons, é uma forma de conter e disponibilizar a informação muito mais eficiente do que foi no passado, com a saliva e o giz, o professor e o livro-texto. Mas é importante ressalvar: nada substitui o livro-didático e a adoção de novas tecnologias não significa dispensar o professor.
5. Esse novo cenário está transformando a pedagogia tradicional?
Frederic Litto: Sim. A Educação à distância está impulsionando a heutologia, um conceito que se contrapõe à pedagogia tradicional, em que o estudante assimila o conhecimento sem questionar, atendendo aos interesses das instituições e dos professores. Na heutologia, ao contrário, o estudo é autodirigido. Assim, o aluno determina o que, quando e como pretende estudar. Nesse tipo de estudo, o estudante é quem sai em busca do que quer aprender e decide como quer estudar. Universidades como a Excelsior College, de Nova York, dão diploma sem querer saber como e onde a pessoa estudou. O aluno só precisa provar que sabe, que tem competência. E isso se faz por meio de avaliações.
6. Nessa conjuntura, qual é o novo papel do professor?
Frederic Litto: O professor deve ser um arquiteto de atividades, estimulando os alunos a descobrirem o conhecimento, a trabalharem sozinhos, a resolverem problemas. Deve ser um facilitador para o aluno. Nesse sentido, o papel do professor é mais importante do que foi no passado, quando ele tinha como papel a pura e simples entrega de informação para o aluno. Ele era um repetidor e não criador de novo conhecimento, escrevendo na lousa e passando a lição de casa. Ao invés de perder tempo jogando informação para o aluno, "como dono da verdade", agora o professor tem a tarefa de organizar atividades que façam com que os alunos de fato aprendam. Dentro de uma filosofia construtivista, que faz com que os alunos realizem projetos de biologia, química, história, português, e vão construindo tijolo por tijolo o edifício de seu conhecimento individual. As gincanas, caças ao tesouro e atividades que envolvam a solução de problemas são tarefas que podem garantir ao aluno entender princípios profundos de todas as disciplinas. Se o professor joga as informações para eles da forma tradicional, eles não compreendem em profundidade e perdem o interesse em aprender. Memorizam a informação para satisfazer o professor na prova, satisfazer os pais ou para passar no vestibular. Isso não tem nada a ver com Educação!
7. O aluno também precisa assumir um novo papel?
Frederic Litto: Sim, o aluno deve assumir uma posição mais inquisitiva, curiosa. Nessa nova Educação, o aluno exerce o papel de protagonista e as tecnologias digitais são usadas a serviço da aprendizagem. Para adquirir competências imprescindíveis para a vida na sociedade do conhecimento, precisa interpretar informações históricas, ler textos e imagens, tomar decisões. Vou ilustrar essa afirmação contando um episódio que considero muito interessante. Antes da emergência da Internet, havia um projeto de intercâmbio entre escolas públicas de Santos (SP), São Paulo (SP) e Lisboa, em Portugal, que permitia aos alunos do ensino fundamental dos dois países trocar informações. Foi só por meio desse intercâmbio que os alunos portugueses descobriram que seu país tinha comercializado negros africanos para o trabalho escravo. Veja só, livros e professores ocultavam a escravidão. A curiosidade infantil permitiu então que brasileiros e portugueses descobrissem e discutissem um conhecimento novo.
8. O que acha de iniciativas que democratizam o acesso à tecnologia, como o programa Um Laptop por aluno?
Frederic Litto: O programa Um Laptop por aluno é caro, mas é bom. Traz uma novidade para sala de aula, que desperta a curiosidade. Na sociedade do conhecimento, o professor não é o dono da verdade. E a Internet derruba as paredes da sala de aula, porque permite ao aluno contestar as informações transmitidas pelo professor. É fantástico! Mas hoje, as escolas brasileiras não usam o computador direito, como mostra uma pesquisa feita pela Fundação Victor Civita (FVC) [Leia a reportagem sobre a pesquisa em http://educarparacrescer.abril.com.br/politica-publica/tecnologia-escola-519445.shtml]. O computador deveria estar na sala de aula e não restrito à sala de informática ou, pior, à sala da direção. Uma vez, estava ministrando um curso e um professor de inglês, que acessava a Internet pela primeira vez, me perguntou: nullposso ler o New York Times pelo computador?null. E eu falei: nullPodenull. Ele começou a chorar. Disse que aquilo mudara a vida dele. Foi comovente.
9. Como e quando surgiu a Escola do Futuro?
Frederic Litto: A Escola do Futuro surgiu em 1989, sob minha coordenação, quando era professor titular da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (USP). Inicialmente, a Escola do Futuro era um laboratório departamental, que chamava "Laboratório de Tecnologias de Comunicação" e era ligado ao Departamento de Cinema, Rádio e Televisão da Escola de Comunicações e Artes. Em 1993, a entidade foi instituída como um Núcleo de Apoio à Pesquisa, passando a ser subordinada à Pró-Reitoria de Pesquisa da Universidade. Nessa época, ela passou a se intitular Núcleo das Novas Tecnologias de Comunicação Aplicadas à Educação Escola do Futuro/USP.
10. Qual é o objetivo da Escola do Futuro?
Frederic Litto: As pesquisas iniciais pretendiam explorar e implementar propostas inovadoras que, utilizando recursos como a Internet e a multimídia, contribuíssem para o aumento das possibilidades de ensino e de aprendizagem. Nosso objetivo era discutir e avaliar estratégias educacionais mediadas pelas TICS (tecnologias de informação e comunicação), organizar seminários e cursos. Em 2006, a coordenação do núcleo passou a ser exercida pela professora Brasilina Passarelli, do Departamento de Biblioteconomia e Documentação da Escola de Comunicações e Artes da USP. Hoje, a Escola do Futuro continua desenvolvendo pesquisas nessas e em outras áreas, como a emergência de novas formas de autoria.
11. Que projetos interessantes na área de tecnologias da Educação o senhor destaca?
Frederic Litto: Há muitas iniciativas sendo desenvolvidas e implementadas, inclusive pela iniciativa privada, por meio de fundações e institutos. Faço uma menção especial à Caverna Digital, que foi criada pelo Núcleo de Realidade Virtual do LSI (Laboratório de Sistemas Integráveis), ligado à Escola Politécnica da USP. A Caverna é, grosso modo, um cinema 3D, um sistema de realidade virtual que permite, por meio sons e aspectos sensoriais, grande interação. Esse ambiente pode simular, por exemplo, o fundo do mar, a superfície de Marte... Essa tecnologia pode ser aplicada em muitas ciências, mas na Pedagogia, oferece a possibilidade de desenvolver jogos interativos educativos e objetos de aprendizagem.
Fonte: Portal Educar para Crescer - http://www.educarparacrescer.com.br