LIVRO DA SEMANA
Testemunhas da história
Sai no Brasil a coletânea "O Grande Livro do Jornalismo", organizada por Jon E. Lewis, com 55 textos clássicos do jornalismo
Anos mais tarde, os historiadores levantam o pó dos fatos e, comparando teorias e contextos, dissecam um acontecimento ou época.
Mas, para se ter uma sensação de como os contemporâneos de um fato o viram, aquele valioso "calor da hora", os jornais ainda são imbatíveis.
É o que se percebe em O Grande Livro do Jornalismo (José Olympio, 378 páginas, R$ 49), uma coletânea de 55 reportagens assinadas por mestres da escrita e do jornalismo que funcionam como um passeio a algumas impressões de primeira hora que o mundo teve de si mesmo.
O texto que abre a coletânea é Um Homem é Guilhotinado em Roma, escrito pelo romancista Charles Dickens em 1845, numa passagem do escritor pela Itália. Planejado para o jornal Daily News, que o próprio Dickens havia ajudado a fundar, acabou saindo direto no livro Pictures from Italy. O que a encerra é O Relógio Marcava 7h55 - Precisamente o Momento em que o Míssil Explodiu, do jornalista especializado na cobertura do Oriente Médio Robert Fisk. Um relato curto e brutal do início dos bombardeios a Bagdá, em março de 2003, visto do chão, do arrasado solo iraquiano.
Entre um texto e outro, em ordem cronológica, cinco dezenas de relatos impregnados de sentido de urgência. Durante a guerra entre Espanha e Estados Unidos, em 1899, Stephen Crane, autor de O Emblema Rubro da Coragem, tem a sorte - que, ele confessa, na época considerou azar - de estar junto a um grupo de fuzileiros incumbido de manter a sinalização náutica na baía de Guantánamo sob fogo cerrado. Quando um terremoto varre São Francisco do mapa em 1906, o romancista Jack London, de O Lobo do Mar e O Chamado da Floresta, está na cidade para servir de testemunha e correspondente para o Colliers Weekly.
À medida que o século 20 avança e o jornalismo se profissionaliza, somem da coletânea os repórteres bissextos e jornalistas de profissão assumem a autoria dos principais depoimentos e textos - sem que se perca o sentido de presença e urgência que faz o charme do livro. O correspondente John Gunther publica em 1940 um perfil detalhado do então chanceler alemão Adolf Hitler. Relman Morin cobre, em 1957, a tensão da primeira experiência americana de integração escolar entre brancos e negros. O americano Richard Harding Davis narra o exército alemão invadindo a Bélgica como um turbilhão, durante o início da I Guerra Mundial e o também americano William L. Shirer vê a rendição francesa às tropas alemãs em junho de 1940, já na II Guerra.
Organizado pelo antologista e crítico Jon E. Lewis, o conjunto do livro não é isento de falhas. A principal é a ausência de um breve comentário biográfico sobre os autores - presente em alguns textos e em outros não. É bom saber também que algumas das histórias do livro não estão lá completas - e em alguns casos não são novas. Há um trecho do clássico Hiroshima, de John Hersey, já publicado na íntegra pela Companhia das Letras no Brasil, bem como o excerto Morte no Topo do Mundo, de Jon Krakauer, parte do best-seller No Ar Rarefeito, também já publicado integralmente.
CARLOS ANDRÉ MOREIRA