LIVRO DA SEMANA
O caçador de pipas revela a triste realidade do
Afeganistão por meio de uma amizade traída
Por Eliane Lobato
Nos últimos anos, nos acostumamos a ver, pela mídia, os horrores ocorridos no Afeganistão – triste endereço escolhido por Osama Bin Laden para comandar os atentados terroristas nos Estados Unidos em 2001. Lamentamos pelas mulheres afegãs ou pelas crianças órfãs, repudiamos os fanáticos religiosos. Mas essas pessoas não têm nome nem rosto, elas são como instituições, agrupamentos sem identidade.
O primeiro mérito do livro O caçador de pipas (Nova Fronteira, 356 pags., R$ 21,90), de Khaled Hosseini, é exatamente individualizar a dor e nos fazer pensar, por exemplo, que há muitas crianças no Afeganistão, mas pouca infância. A história fala de Amir e Hassan, dois meninos que tiveram a mesma mãe de leite e cresceram juntos, mas com destinos diferentes devido aos fatos políticos e religiosos ocorridos naquele estranho (aos olhos ocidentais) mundo islâmico. Dá até para entender que, depois de tudo o que uma criança passa e assiste naquelas terras, explodir com uma bomba colada ao corpo chega a ser uma epifania – uma manifestação divina. Tudo começa em Cabul, onde os garotos insistem numa amizade condenada pelas diferenças. Amir era rico, Hassan era pobre. Amir era pashtun, Hassan era hazara (etnia considerada inferior, de empregados). Amir era sunita, Hassan era xiita. E nada conseguiria modificar isso. Um dia, Amir trai Hassan. Depois, a invasão soviética, em 1978, trai os dois. Escombros, toque de recolher, soldados, fugas. O que já estava ruim, piora quando os talibãs assumem o poder e instalam um cotidiano de fuzilamentos, estupros, abuso sexual. O esplendor da vida, as disputas de pipas céu afora desaparecem. Mas ficam as lições, como nang e namoos – honra e orgulho, que se aprende numa brincadeira.
Amir não aprendeu e, já adulto e exilado nos Estados Unidos, decide voltar ao seu país para um tardio acerto de contas com o passado. Encontra um mundo decadente, criminoso e doloroso. As referências de seu passado parecem estar apagadas. Não se deve revelar a surpresa preparada para o leitor, mas pode-se adiantar que a redenção é possível. O caçador de pipas é um sucesso de autor estreante: Hosseini encabeça listas de mais vendidos em vários países e vai virar filme numa produção de Sam Mendes, o mesmo diretor de Beleza americana. O autor é afegão e muitas lembranças pertencem à sua própria memória. Seu livro mostra que o futuro é um luxo quando se nasce e vive dentro de um barril de pólvora.
O CAÇADOR DE PIPAS VIRA FILME
A Paramount escolheu o diretor alemão Marc Forster “Em busca da terra do nunca”. Já o roteiro ficou por conta de David Benioff o mesmo de “Tróia”, a supervisão vai ficar por conta de Steven Spielberg.
O filme que teve suas filmagens encerradas e foi rodado na região de Kashnar, uma cidade chinesa mulçumana, cuja semelhança com a Cabul pré-guerra garantiu a veracidade do cenário. O Afeganistão que é o ambiente original da historia não pode ser usado por causa dos conflitos existentes no país.
No elenco não se encontra nomes conhecidos e os atores principais são todos afegãos, em sua maioria crianças. A película terá sua versão original falada em persa e legendada em inglês o que pode ser um grande obstáculo para seu sucesso nos Estados Unidos.
Já na fase de finalização, o filme foi lançado no dia 2 de novembro de 2007 nos cinemas americanos. Ao que tudo indica o filme terá uma bilheteria tão avassaladora quando o livro.