97693  ACESSOS

PORTUGUÊS E POESIA

 

Millôr 8.5 (turbinado)

Um registro de nascimento aponta o dia 16 de agosto de 1923, mas Milton Viola Fernandes, Millôr desde a adolescência, nasceu mesmo em 1924

 

Milton Viola Fernandes fez 85 anos, ou melhor, faria, não fosse o registro de nascimento ter sido atrasado em quase um ano. Registro, aliás, que, além disso, lhe reservou outras surpresas. De Milton a Millôr, um longo processo foi gestado, o que incluiu o anagrama Notlim e chegou ao mil vezes Millôr atual. Carioca nascido em 16 de agosto de 1923 – a data oficial é dia 27/05/1924 –, o Guru do Meyer veio a assumir-se Millôr já na adolescência, graças à caligrafia imprecisa do escrivão, que, ao grafar o traço do ‘t’ de Milton, deixou-o acima da letra ‘o’, o que foi acrescido de uma incompletude da letra “n”, sugerindo um ‘r’. Talvez isso explique a verdadeira obsessão pela reescritura do nome, uma constante na obra do humorista, que pode ser constatada em Um Nome a Zelar (Desiderata, 2008).


 

                                           millor


A esse respeito, aliás, ele mesmo reconhece a anterioridade do traço gráfico à escrita, particularmente, nesse caso, havendo uma fusão das duas coisas, já que a letra passa por um processo de elaboração plástica que sugere uma não-hierarquização entre grafia e ilustração, no fundo configurando a mesma coisa. Em vários momentos de sua obra, há a proeminência do traço artístico, noutros, a da escrita, também ela artística, que começou com a ocupação de um espaço publicitário cancelado em A Cigarra.



O homem começa mesmo a ficar velho quando prefere andar só do que bem acompanhado.

 


Anos depois, já consagrado em sua atuação multimídia, que incluía o jornalismo, a tradução, o roteiro cinematográfico, a ilustração, o texto dramático, a poesia, o humor, etc., lançou a revista quinzenal Pif-Paf, considerada o início da imprensa alternativa no Brasil. Posteriormente, foi um dos fundadores do coletivo ícone ipanemense O Pasquim, que teve uma vida longa (e tumultuada) no seu papel preponderante de resistência à ditadura, em nome da liberdade de expressão. Tudo sempre pela via da inteligência, do humor e do sarcasmo, num carioquês de vários sotaques que repercutia por todo o Brasil.

Outro aspecto relativo à sua infância parece também ter tido influência marcante na sua produção artística: com as perdas do pai e da mãe, cedo assumiu a posição filosófica da “paz da descrença”, o que lhe permitiu uma reflexão da realidade escorada no ceticismo. Essa precoce condição “sem pai nem mãe” acabou repercutindo em sua obra, através de um humor operado por um relativismo absoluto, centrado no dialogismo. A esse respeito, segundo Kupermann (2005), podemos buscar em Freud, de Totem e Tabu, a explicação para tal característica, pois, se o humorista consegue identificar-se “(...) até certo ponto com o pai, é apenas na medida em que pode reconhecer sua orfandade, ou seja, a falência da pretensão de possuir qualquer garantia transcendente (idealizada) de onisciência e onipotência, atributos do pai da horda há muito ausente”(p.34); ou, em outras palavras, “(...) tudo pode me acontecer, a mim que já perdi o que tinha para perder e que aprendi a rir com a vida”(p.35).

 

Minha especialidade é meu orgulho:
sou o maior leigo do país.

 


Diferentemente do riso fácil, da chalaça, podemos constatar um certo distanciamento narrativo operado por Millôr, que consegue testemunhar o seu tempo resguardado pela (auto) crítica mordaz. Para isso, em muito a realidade o ajudou: para entendermos o Brasil nesse longo (e inacabado) processo da ditadura à democracia, encontramos, no conjunto de sua obra, uma desconstrução proposital do discurso sério, a instauração de um espaço carnavalesco no papel (segundo a concepção de Bakhtin) que é o espelho, nem sempre deformado, daquele captado na realidade. Assim, escudado pela crítica do riso, expõe a ambivalência não só da cultura brasileira, mas do próprio homem universal, através de uma análise de riso reduzido, onde não há a “absolutização de nenhum ponto de vista, de nenhum pólo da vida e da idéia”.

Além disso, nesse caso, radicalmente, o que é conteúdo é forma: Millôr instaurou a primazia absoluta da fragmentação em seu discurso, compondo uma linguagem mosaica que pressupõe um leitor disposto a se embrenhar no caleidoscópio da sua narrativa, já que, nas amarras dessa escritura estilhaçada, não há indicação de fio a ser puxado para desfazer o verdadeiro patchwork discursivo. Parece querer-nos dizer, também ele, diante da crise de ideologias que vivemos, “não me sigam, eu também estou perdido”.

 As pessoas que falam muito, mentem sempre, porque acabam esgotando seu estoque de verdades.

 


Esse processo, que inclui marcas como a polissêmica “livre-pensar é só pensar”, o bordão “arte é intriga” e a ideologicamente palindrômica “a mala nada na lama”, pode ser visto hoje em www.millor.com.br ou na revista Veja, onde – ironias das ironias – ocupa um espaço similar ao de seu início de percurso, perdido entre páginas de publicidade, rompe com a lógica editorial da publicação enquanto ideologia e assenhora-se das múltiplas formas possíveis que a linguagem publicitária permite, instaurando uma verdadeira encampação do espaço midiático e, mais que tudo, impondo uma voz extremamente pessoal diante de um veículo de comunicação que se diz objetivo e imparcial. Talvez alguns leitores tenham dificuldade em percebê-lo naquele espaço, imprensado entre as páginas amarelas e as múltiplas páginas de propaganda, mas Millôr faz o possível para fazer respeitar o seu nome, o de seus leitores e seus (poucos) cabelos brancos. Sabe que entre a graça e a desgraça há um limiar mínimo, que entre o trágico e o cômico, tudo pode ser uma questão de ponto de vista. Então, nesses casos, talvez o melhor caminho seja mesmo o do ceticismo, ou melhor, saber que às vezes o cômico pode ser uma defesa contra o trágico. No fundo, ele percebe que “(...) o homem [em seus 15 minutos de fama] é um ator que gagueja na sua única fala, desaparece e nunca mais é ouvido”, na clássica frase de Shakespeare, em Machbeth. Conforme lida, podemos considerá-la trágica ou cômica – eis o fundamento do espírito humano, seja o leitor cético ou ascético.

Filho da corruptela e da derrisão, Millôr Fernandes é apontado por muitos como um dos maiores pensadores brasileiros e um dos de maior inserção na vida nacional. E falando em filiação, com certeza, a duplicidade de datas de nascimento cobra o seu preço: qual delas comemorar? Seguindo o discurso e a prática infracionais, certamente a horda ipanemense deve estar fazendo festa hoje. Festa pela passagem dos anos de um frasista que perde o amigo, mas não a ética, que sabe que a liberdade individual se sobrepõe a qualquer ideologia ou governo e que faz do humor “a quintessência da seriedade”, construindo com ele uma crítica visceral ao homem de nosso tempo.

Então, esse animal político faz 85 anos.


BRENO C. SERAFINI

* Doutorando em Letras pela UFRGS

 

(fonte: ZERO HORA)

 

Carpinejar esteve na Feira de Camaquã
31ª Feira do Livro de Camaquã
I Festa da Leitura da escola Ana Cesar
XIX Congresso Brasileiro de Poesia
Conto: O Bar do Arlindo
Turma de Letras promove Fórum
A inusitada resposta para Sant'Ana
A arroba nos endereços eletrônicos
A literatura de cordel
O menor (e melhor) conto de fadas
Escola Otto recebe exposição
Uma noite no meio dos livros
Borracharia vira biblioteca
S.O.S. São Lourenço
Morre o grande Moacyr Scliar
A dupla GRENAL e seus hinos
Vale a pena ressuscitar S. Holmes?
Profa supera deficiências p/ ensinar
Assis Brasil será secretário de cultura
O resumo do XVIII Congresso de Poesia
XVIII Congresso de Poesia em Bento
Ficção: presente e passado conquistam fã
Livros mais vendidos da semana
A universalidade de Saramago
Balanço da 30ª Feira do Livro por Catulo
Sucesso na 30ª Feira do Livro
30ª Feira do Livro
As 200 línguas do Brasil
Os campeões do ENADE
Tecnologias substituem giz e quadro
Alternativos culturais: conheça 25
A Estrada em filme
CAPOCAM 21 anos e 14ª sem. poesia
Por que as mulheres leem mais?
Morre José Mindlin
A redação nota máxima da UFRGS
Adoniran Barbosa: 100 anos
Pe. Fabio de Melo lidera vendas de Cds
Cora Coralina: grande poeta de Goiás
Feira mantém tradição, apesar da chuva
Mau tempo prejudica a Feira
Feira do Livro de Camaquã 2009
Célia Ribeiro dá dicas para autores
55ª Feira do Livro de Porto Alegre
Jornada Literária de Passo Fundo
XVII Congresso de Poesia
Ganymédes José, um grande autor
Feira do Livro de São Lourenço do Sul
Um recanto para a poesia
A arca das letras
Pouca idade, muita vontade
Vinte anos sem Raul Seixas
Frases de jogadores de futebol
100 anos da morte de Euclides da Cunha
Thedy Corrêa prestigia Feira de Chuvisca
A 3ª Feira do Livro da Chuvisca
O mito Michael Jackson
O humor de Danilo Gentili do CQC
Camaquenses são destaque no RedAÇÃO ZH
Camaquã recebe homenagem em poesia
Melhores sites p/ compra e troca livros
Invista na leitura!
Brincadeiras com eufemismos
Reforma ortográfica: não engula...
Novas regras ortográficas em 2009
Nova casa para os livros
15º Açorianos de Literatura
Os livros mais vendidos da semana
Congresso entrega livros
A campeã gaúcha do ENEM
A religião da gramática
Memória daquela juventude
Humor nos anos 50
Versões de ditados populares
Os 100 anos de Cartola
Congresso Brasileiro de Poesia
Dicas para uma boa escrita
A importância de não saber e saber
A diferença entre mitos e lendas
A história de Paulo Coelho
O hilário Barão de Itararé
A Jangada de Pedra, por Diego S.Fehlberg
Baudelaire, por Diego S. Fehlberg
Erico e o vento intertextual
Escritores mais admirados
Morre Zélia Gattai
Humor: Um Dia de Merda
Erro de ortografia
Diego S. Fehlberg
 
Roger Tavares - Todos os direitos reservados © Desenvolvido por iPoomWeb