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CRÔNICA

 

A síndrome da notícia ruim

 

Não agüento mais ouvir falar do caso Isabella. Não suporto mais a cara de sonso do pai, o choro falso da madrasta, a frieza do avô/advogado paterno. Não tenho mais paciência para a disputa de egos e holofotes entre as delegacias, a promotoria e a defesa. Não tenho estômago para ver a multidão de linchadores que apedreja carros e tira seus filhos da escola para assistir a esse circo. Não entendo como se transforma um crime hediondo numa novela das 8 em capítulos. Não é plausível que se tente fechar parte do espaço aéreo de São Paulo para reconstituir o crime durante um domingão de lazer familiar.

Não tenho nenhuma esperança de que os assassinos dessa menina de 5 anos sejam exemplarmente punidos. Não com as nossas leis, mais rigorosas com seqüestros que com homicídios. Não com nossa proteção legal e leniente aos criminosos com grana e status social. Talvez por isso a sociedade esperneie tanto. Por saber que não há prisão perpétua para monstros no Brasil. Especialmente se tiverem diploma universitário e vierem da classe média ou alta. É só conversar com taxistas. Eles dirão que a saída é rezar a Deus e amaldiçoar o diabo.

Continua presa, há um ano e três meses, a moça acusada de mandar matar o marido, milionário da Mega-Sena, na roça de Rio Bonito, Rio de Janeiro. Sem provas e sem confissão. Adriana, ex-cabeleireira, caipira, sem instrução, apelidada de “égua loura”. Ninguém sabe se ela foi mandante do crime, mas nenhum juiz concede habeas corpus para que responda ao processo em liberdade, mesmo sendo ré primária e mãe de duas crianças. Adriana não tem direito à “presunção de inocência”, não tem os privilégios dos homicidas com diploma. Réus confessos, com provas, alguns já condenados, ficam soltos por graça e obra de recursos. Tudo dentro da lei, o pior é isso. Pimenta Neves, que assassinou há oito anos a namorada pelas costas, foi diretor de jornalão de prestígio. Thales Shoedl matou um jovem na praia ao disparar 12 tiros, mas é promotor. Jorge Farah, que esquartejou a namorada em nove pedaços, é cirurgião. Esses três mataram mesmo e estão em liberdade.

Não é fácil escapar da síndrome da notícia ruim. Há leitores e espectadores que exigem sangue na arena. O nojo atiça a conversa. Num país viciado em novelas, o crime de Isabella aumentou absurdamente o ibope dos telejornais. Mas muitos brasileiros já se cansaram do exagero. Talvez sejam a maioria silenciosa. Não é hipocrisia. Existe fronteira entre a cobertura responsável e a dramatização excessiva, típica de países subdesenvolvidos e primitivos.

Negar-se a acompanhar o caso Isabella não nos livra da síndrome da notícia ruim. Saímos das páginas policiais, com os serial killers toscos e cruéis dos assaltos urbanos, e caímos nos escândalos de corrupção.

Na quinta-feira, o advogado Ricardo Tosto, do conselho administrativo do BNDES, indicado pela Força Sindical, foi preso e algemado, acusado de desviar recursos do banco. Se for tudo provado, Tosto faria parte da quadrilha de empresários, servidores, sindicalista, coronel reformado da PM. Tutti buona gente. Tosto se define como bon-vivant, apaixonado por vinhos franceses, charutos cubanos, feng shui e numerologia. Um de seus clientes foi o ex-prefeito Paulo Maluf. A Polícia Federal atirou no que viu e acertou no que não viu. Pensou que os desvios de dinheiro público serviam a tráfico de drogas ou prostituição. Mas era fraude rala mesmo, para embolsar comissões milionárias. O dinheiro era lavado num prostíbulo badalado na capital paulista, que funcionava num flat e traficava mulheres para o exterior. Já se lavou dinheiro de forma mais elegante.

Há tragédia demais no Brasil? Ou não conseguimos, como jornalistas, equilibrar o noticiário com histórias boas e humanas, de superação, como a luta do ex-jogador Casagrande contra o vício, capa elogiada de ÉPOCA na edição passada? Essa aí leva jeito de ter final feliz.

(Ruth de Aquino – Revista Época)

 

 

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