97686  ACESSOS

CRÔNICA

 

Meu zeloso guardador

(Luis Fernando Verissimo)

No outro dia estive conversando com meu anjo da guarda. Há tempo não nos falávamos. Na verdade, na última vez que me dirigira a ele eu tinha uns sete ou oito anos. Começamos a conversa lembrando aquele tempo.

- Como era mesmo que eu dizia? "Santo anjo do Senhor, meu zeloso guardador..."

- Ele sorriu.

- É. Todas as noites, antes de dormir. E sempre terminava me pedindo para proteger toda a sua família, os amigos, os vizinhos e o Dr. Getúlio Vargas.

- O Dr. Getúlio Vargas?!

- O Dr. Getúlio Vargas.

- Faz tempo, né?

- Foi você que não quis mais falar comigo. Eu continuei ouvindo.

- Pois é. Perdi a fé. Não acreditava mais em você. Aliás, continuo não acreditando.

- Tudo bem. Não é razão para não conversarmos. Eu não tenho preconceito.

- Teve uma coisa que sempre me intrigou: você, se existisse, seria o meu guardador particular, ou cada anjo cuidaria de várias pessoas ao mesmo tempo? Isso explicaria o fato de tantos morrerem fora de hora enquanto outros sobrevivem. Anjos da guarda sobrecarregados.

- Não, não. Minhas instruções são cuidar de você com exclusividade. Dedicação integral. Sete por vinte e quatro, sem folga nos fins de semana.

- E quando uma pessoa morresse, seu anjo da guarda passaria a cuidar de outro, de um recém-nascido, ou também desapareceria?

- Depende. Normalmente, os anjos da guarda são encarregados de outra missão assim que o seu designado morre. Mas os que tiveram de zelar por pessoas em profissão de alto risco, ou amantes de esportes radicais, são aposentados. Ou passam por um período de recuperação do sistema nervoso antes de voltarem ao batente.

- Eu não lhe dei muito trabalho, dei? Tive uma vida pacata...

- Bom, precisei intervir algumas vezes. Esta você nem vai se lembrar. Ainda garoto, você foi soltar um foguete e não se deu conta de que estava apontando o lado errado para cima. Se não fosse eu cochichar "Vira! Vira!" no seu ouvido, no último minuto, o rojão teria entrado no seu peito. Teve aquela vez em que a casa estava em obras e você, molhado de um banho de mangueira, tocou num fio descapado e só não morreu eletrocutado porque eu puxei você a tempo. E lembra quando você foi fazer aquele exame com cateter, um trombo se soltou na corrente sangüínea, paralisou o seu lado esquerdo e tiveram que fazer uma sangria de emergência?

- Lembro. Eu sempre digo que sei como será a morte, porque meu dedão esquerdo já morreu e foi ressuscitado.

- Fui eu que providenciei o socorro rápido. Outra vez você estava num avião que saía do Galeão para Porto Alegre e a decolagem teve que ser abortada na metade da pista. Poderia ter sido uma tragédia se não fosse a minha intervenção. No caso, intervim para salvar o seu ego, já que todo o time do Flamengo estava no avião e o seu nome só sairia nos jornais sob "Também morreram..." E também porque não era a sua hora.

- Mas fora isso...

- Fora isso, não tenho do que me queixar. Foi uma missão tranqüila.

- Você disse que interveio porque não era a minha hora. Quer dizer que você sabe qual será a minha hora de morrer?

- Bom, sim e não. Nos dão uma planilha com a hora prevista para a morte do nosso protegido. Temos ordens de fazer cumprir a previsão, na medida do possível. Mas a pessoa pode não colaborar. Pode se expor a riscos desnecessários, pode até se matar. E sempre há a possibilidade de um imprevisto atrapalhar todos os planos. Como um rojão no peito, por exemplo.

- Você pode me dizer qual é a minha hora marcada? Só por curiosidade.
- Desculpe. Não posso. E se você não acredita em mim, por que acreditaria no que eu diria?
- Tem razão. De qualquer forma, você me manteve vivo e razoavelmente intacto.

- É, acho que me saí bem.

- Claro que sim. Senão nós não estaríamos aqui, tendo esta conversa imaginária. Obrigado, viu?

- Quié isso. Eu só estava fazendo meu serviço.

- Foi bom falar com você, depois de tantos anos.

- Também gostei da nossa conversa. Tchau. Se cuide.

- Pode deixar.

- Você não quer encerrar com um pedido, como fazia antigamente, quando acreditava?

- Quero! Apesar de não serem da sua jurisdição, proteja toda a minha família, todos os meus amigos, todos os brasileiros...

- E o Lula?

- E o Lula e seu ministério.

- Amém?

- Amém.

(fonte: Zero Hora)

 

 

Dentro de um abraço, de Martha Medeiros
Espelho mágico
Ele é mesmo imortal
Pastelzinho de amanhã
Tribo nossa de cada idade
Viagem intergaláctica
Quindim e merengue
Cria Atividade
A tristeza permitia de Martha Medeiros
Tratado sobre a paixão literária
O bate-estaca do Chevettão 75
Francamente, senhor Wilde
Tragédias anunciadas
Brincando de Blog
Coitadinhos dos nossos ouvidos
O amor deixa muito a desejar, por Jabor
Garota de Subúrbio
Tiririca da vida?
Para se roubar um coração
Saudade nenhuma de mim
O futebol e os brasileiros
Por uma vida sustentável
Alunos apáticos, escola idem.
Os desafios da biblioteca na nova escola
35 Anos para Ser Feliz
Complexo de Guaipeca, por Carpinejar
A falta que ela me faz
Lya Luft e o ano de pensar
A elegância do comportamento
Um homem que educava pelo exemplo
Antes que a Feira do Livro desapareça!
A Última Crônica
Uma homenagem aos professores
Dos oito aos oitenta
Mais uma de Arnaldo Jabor
Curiosidades sobre o Rio Grande do Sul
Algumas piadas para adoçar a vida!
Exigências da vida moderna
Moacyr Scliar: O Senhor do Anel
Sumiço de Belchior
Sentir-se amado, de Martha Medeiros
Histórias de bichos e de livros
David Coimbra, o fusca e o frio
OS 100 ANOS DO GRE-NAL
O eu invisível
O Avião
Marias-gasolina, por Martha Medeiros
O bem e o mal da internet
A língua em todas as disciplinas
A formação do cidadão
A mentira liberdade
O bom professor
O papel da escola e dos pais
O que ensinar nas aulas de Português
Beijo na boca de Martha Medeiros
Neocaipiras - de L F Verissimo
Consumismo e solidariedade no Natal
Como lidar com o diferente
Solidariedade e egoísmos
Os talentos em sala de aula
Os casamentos na praça dos livros
A maldição da norma culta
O curso de datilografia
Os pais são os culpados
Papéis invertidos
Professor de qualidade para todos
Pense nos seus professores
Uma vida de presente
Alma galponeira e peregrina
Educação ou dissecação?
Mais sombra e menos água fresca
A neutralidade como dever
As três irmãs
A vírgula - por Martha Medeiros
Avaliação não é ameaça
Somos sempre aprendentes
A reforma ortográfica
Humor: filho estudante escreve p/ pais
Crônica do amor, por Arnaldo Jabor
Tive uma idéia!
Remendar por não prevenir
Não sorria, você está sendo filmado
A síndrome da notícia ruim
Mulheres do século XXI
Quase
A professora e a justiça
O universitário e o frentista
 
Roger Tavares - Todos os direitos reservados © Desenvolvido por iPoomWeb