CRÔNICA
Tribo nossa de cada idade
Mata fechada, tempo quente e úmido, bichos pesonhentos, insetos, e você sentado em cima de uma rocha. Como um nativo isolado, ouve cascata ao longe, o grito dos macacos e nada mais. Olha para o céu, e árvores centenárias encobrem sua visão. Para os lados, e mais ninguém.
É assim que o adolescente se imagina, na maioria das vezes como um índio sozinho. É como se a natureza toda conspirasse contra, impedindo uma atenção privada, uma companhia. Fossemos o último ser humano a alguém dar valor, ou perceber. Queremos compreensão, alguém que nos escute, e nos diga coisas interessantes que nos deixem calados. E a única solução para esse dilema solidão-atenção, parece ser participar de uma tribo.
Fui adolescente nos anos 80. Tempo de muitas cores e new wave. Tudo era rosa choque e verde limão, ombreiras, Madonna e cubo mágico. Consegui algumas coisas na vida, mas jamais concluir esse maldito jogo do cubo, grande frustração. Aí apareceram as tribos dos darks, que se vestiam de preto e cultuavam a tal pós-modernidade; e também os góticos - do fantástico, misterioso e sinistro. Não foram poucas as vezes em que me vesti toda de preto, com correntes prateadas no pescoço e grande crucifixo.
Hoje acho graça de tudo isso. E quando me deparo com o aparecimento de novas tribos, Emo, coloridos..., mesmo que a proposta seja bem diferente, me sinto de volta ouvindo The Smiths, lendo Keats e Yeats, usando preto, batom vermelho e esperando semana toda pela balada no Ovo de Colombo, e que o cara do blusão com a letra "A" me olhasse. Alberto, Alexandre? Nunca soube o nome dele.
O tempo vai seguindo seu rumo, mas as tribos nunca acabam em nossa vida. Se você pensar um pouquinho, e não precisa muito, vai perceber que pertence atualmente a alguma tribo,mesmo que não seja mais um adolescente. Pensei por alguns segundos, não mais que isso, e me declarei oficialmente como índia da tribo: "corredores atrás da máquina".
Entenda-se por "máquina", tudo aquilo que nos motiva, impulsiona, realiza. Corro todos os dias atrás da felicidade; dos projetos pessoais e os da família; do trabalho; de uma vida melhor para minha filha, o que me leva a correr atrás de coisas materiais também, e até mesmo do relógio. Preparo meus músculos para aguentar essa maratona, pois pela lógica, quanto mais tentar, mais chances tenho de conseguir; mesmo que isso implique em cansaço e fadiga.
Lembro-me com saudades das minhas antigas tribos, como era bom quando a idade não nos cobrava resultados. Já era válido apenas participar de alguma coisa, como celebridades do bairro ou da danceteria, na procura apenas por elogios e atenção. Se você cantasse, era pelos aplausos, talvez não para gravar um disco.
Índia da tribo de ontem, vestindo preto e correntes prateadas. Hoje, correndo atrás da máquina. Mas sempre com a certeza de que nunca estive sozinha, até porque, em nenhuma parte do mundo, ou do tempo, existiu tribo de um índio só.
Ana Cecília Romeu
Publicitária e escritora
http://anaceciliaromeu.blogspot.com
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