CRÔNICA
Mais sombra e menos água fresca
LETICIA WIERZCHOWSKI - ESCRITORA
Enquanto escrevo, três prédios crescem nas adjacências da minha janela… Eu venho pranteando o desaparecimento do meu pedaço de céu faz tempo, mas ainda não me conformei completamente, nem nunca vou me conformar com a verticalização desenfreada do meu bairro, e de toda a Porto Alegre (confesso aqui que o meu pedaço de Guaíba foi-se há três anos).
Eu não sou contra o progresso. Como certa vez escrevi, eu mesma moro num prédio de 14 andares. Em algum tempo, nesse terreno deve ter existido uma bela casa, com aqueles velhos quintais cheios de árvores, um portão que rangia, e cachorros – até que, um dia, a casa cedeu vez ao prédio onde vivo. Mas o que vem acontecendo hoje em dia é um assassinato. Ruas pequenas completamente descaracterizadas por construções altíssimas – onde antes vivia uma família, hoje vivem 60. E seus carros trilham a mesma ruazinha de paralelepípedos, e seus dejetos domésticos seguem pelo mesmo sistema de esgoto de outrora. Resultado: ruas congestionadas e mal-cheirosas, ensombreadas e úmidas, porque os prédios proliferam sem controle. Belas casas desaparecendo como por encanto, e cada prédio novo cada vez mais alto, cada vez mais alto… O Moinhos de Vento e suas adjacências vem sendo descaracterizado de modo grosseiro. Daqui a 10 anos não reconheceremos mais as ruas da nossa memória, já que Porto Alegre me parece ter entrado num processo sem volta.
Em tempo de eleição municipal, eu sou a favor daquele candidato a prefeito que for mais cuidadoso com o nosso plano diretor. Aquele que respeitar e mantiver o maior número de Áreas de Interesse Cultural e que limitar mais ferozmente a altura dos novos prédios. É verdade que o progresso urge, mas progredir não é destruir, como todos sabemos, e o planeta vem nos mostrando com desespero. E fico eu aqui com essa saudade do que já foi, olhando pela janela a minha ruazinha deturpada, menos gritos e risos de crianças e mais retroescavadeiras rompendo a pasmaceira das três da tarde. Dia desses, enquanto eu sonhava com a ruazinha da minha infância, onde a gente brincava de sapata até a mãe nos chamar para o banho, surge meu filho e me pergunta: “Mãe, como é um carteiro? Eu nunca vi um na minha vida.” Ai que saudade da minha casa lá na Rua 24 de Junho, e do carteiro que era sempre recebido com um copo de água fresca.
(fonte: Zero Hora)
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