CRÔNICA
100 ANOS DO GRE-NAL
Porto Alegre, 18 de julho de 1909
Entre os cafés Colombo e América, na Rua da Praia, as mulheres começaram a sair dos casarões, perfumadas, e misturaram-se aos homens de ternos bem cortados. A sociedade estava mudando. Zero Hora voltou àquele dia para descrever a cidade que viu surgir o clássico que marcaria nossas vidas para sempre...
O ano é 1910, na longínqua Itabira, Minas Gerais, e um menino de sete anos escreve assim suas impressões sobre a passagem do cometa Halley pelos céus mineiros: “No ar frio, o céu dourado baixou ao vale, tornando irreais os contornos dos sobrados, da igreja, das montanhas. Saímos para a rua banhados de ouro, magníficos e esquecidos da morte que não houve. Nunca mais houve cometa igual, assim terrível, desdenhoso e belo”. O sentimento expresso pelo grande poeta Carlos Drummond de Andrade bem poderia dar a volta no tempo em um ano e seria uma descrição perfeita para a igualmente distante Porto Alegre de sua querida Itabira, nome, aliás, de um restaurante famoso da noite da capital gaúcha nos anos 70. As cidades têm isso, seus pontos de encontro, suas festas, costumes, que lhe conferem um perfil, que lhe dão a alma.
A alma de Porto Alegre é gravada a fogo justamente neste ano de 1909. A fogo, pela voracidade do sentimento que derrubaria todas as barreiras para se tornar seu símbolo nacional. Estranho que essa intensidade definitiva comece por um encontro cortês para tratar de uma amenidade: um jogo de bola na cidade dos hipódromos, dos velódromos e do remo. Uma viagem de bonde no entardecer de 21 de junho, que passa pelo centro, pela Igreja Nossa Senhora da Conceição e pelo Hospital Beneficência Portuguesa, tem como destino a Sociedade Leopoldina, no Moinhos de Vento. Lá, a conversa que marca o primeiro Gre-Nal. Nada mais seria igual por essas bandas, nada teria mais força do que este Halley sulino de Drummond, bicolorido. Sim, bi, porque num Estado onde tudo sempre teve dois lados.
A Porto Alegre de 1909 começava receber o Gre-nal
Na Rua da Praia
Enquanto esse encontro prepara o futuro, a Rua da Praia fervilha nesse comecinho do século 20. Numa geografia que tem a igreja das Dores mais para o lado do Guaíba e se espicha na direção da Alberto Bins, a Rua da Praia é o centro de tudo. A capital não tem o mar de Copacabana e do Leblon pertinho, nem o calor, tampouco o Pão de Açúcar. Mas o bom humor carioca também corre de mesa em mesa no café Colombo e América. Desembarcados do “Chope Duplo”, no bonde de dois andares que teria vida curta, os rapazes de boa família tomam seus lugares e contam e ouvem boas histórias, casos e piadas. Como esta, registrada no livro Anedotário da Rua da Praia, de Renato Maciel de Sá Junior.
Fanha entra apressado num café da Rua da Praia e fala afobado para o dono:
– Eu preciso agora, sem falta, de quinhentos mil-réis, vou dar o golpe da minha vida. Mas tem que ser agora. Me empresta que amanhã te devolvo.
O dinheiro é dado, os dias passam e nada do Fanha. Semana seguinte, os dois finalmente se encontram e o dono do café pergunta:
– E aí, e o dinheiro do golpe que ficaste de me devolver no dia seguinte?
Fanha, com a voz anasalada, responde:
– O golpe falhou, pô!
O bom chope Alemão
Na Porto Alegre do intendente José Montaury, o fim de tarde ganha cada vez mais a presença dos longos vestidos e dos chapéus enfeitados. As reuniões sociais vão deixando as paredes dos casarões e ganhando as ruas. A cidade se abre para o cotidiano, as mulheres se misturam aos homens de ternos bem cortados nesses lugares públicos, onde uma das atrações é o bom chope da tradição alemã. Ainda existem os bondes puxados a burro, maioria absoluta contra seus similares elétricos. Assim como a iluminação a gás persiste, numa convivência temporária com a luz elétrica, que ainda é tímida mas logo será dominante. A cidade cresce e se agita e ganha atrações como esta do fim de semana de 18 de julho desse ano de 1909, que o jornal A Federação da segunda-feira seguinte retrata assim:
“Theatros e Diversões – A companhia dramatica de que é principal figura a notavel Clara Della Guardia, estreou, sabbado, no theatro S. Pedro, poucas horas depois de aqui haver chegado, representando a peça de Sardou e Moreau, à qual já fizemos referencia em numero anterior. O theatro achava-se completamente cheio do que a sociedade porto-alegrense conta de mais fino e selecto”.
Na rua de todos, dos tipos elegantes e também das figuras folclóricas, o trânsito espanta e já incomoda. Os carros tumultuam o ambiente, e o intendente já pensa em medidas que tomará em 1913. As multas, vejam só, se transformam em recursos contra motoristas imprudentes que colocam seus veículos a mais de seis quilômetros por hora – e nem se pensava nos azuizinhos. Multa de 30 mil-réis para quem não observar no cruzamento das ruas urbanas “velocidade igual ao passo natural dos pedestres”. E olhem que o primeiro automóvel havia desembarcado apenas em 1906. Um fato tão extraordinário que o único habilitado a dirigi-lo foi retirado do Presídio da Ponta das Pedras para ensinar os devidos manejos do De Dion Bouton, dois cilindros, ao proprietário Januario Grecco.
A primeira greve geral
A década vai fechar com 130 mil habitantes. Mas antes disso ainda há tempo para a fundação da Usina Elétrica Municipal e a primeira greve geral. O Fortim da Baixada ainda é mais sonho do que realidade, um prenúncio do futuro. O presente está no Prado Independência – o Parcão da geração digital – que concentra a vida social. Por entre as mesinhas de ferro que compõem o cenário dos jardins do Prado, as donzelas casadoiras retribuem os galanteios com lampejos de canto de olhos. Tão ingênuo como estranho parece aos novos habitantes do século 21 a possibilidade de se ouvir da Baixada o tropel dos cavalos no Prado e, de seus pavilhões a gritaria dos rapazes no Fortim.
Nas mesinhas de ferro
Com licença, senhoritas, não se assustem, mas o Halley azul e vermelho vai passar como um furacão pelas mesinhas de ferro. Nada será mais igual.
Leia mais nas páginas de Esportes e no Caderno Especial sobre o primeiro século do jogo das nossas vidas
Mauro Toralles - ZERO HORA
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