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CRÔNICA

 

Histórias de bichos

     Fiquei olhando para o cachorro com simpatia, depois que o dono me disse que ele era de uma raça polar que trazia na sua composição genética a disposição para enfrentar ursos, mas tinha que viver trancado no apartamento. Teríamos muito sobre o que conversar, o cachorro e eu. Lhe confessaria a minha suspeita de que eu também não estava cumprindo meu destino biológico na Terra.

    Uma vez, demos um hamster para as crianças e o hamster fugiu da sua gaiola e desapareceu dentro de uma estante de livros. Nunca mais foi encontrado. Durante muito tempo imaginamos que ele reapareceria e voltaria, gordo e cambaleante, para a sua gaiola. Atrás do que também nos falta: tempo e paz para digerir os livros que consumimos com mais voracidade do que método. Mas o hamster nunca reapareceu. Desconfiamos que morreu de excesso de cultura.

     Um amigo me contou que seguira os rastros de uma falange de cupins através da sua biblioteca. Os cupins tinham atravessado coleções inteiras, capas duras e brochuras, deixando atrás de si um único túnel contínuo e caprichado. Só tinham interrompido sua marcha uma vez: para devorar uma ilustração de página inteira de um dos volumes. Segundo o meu amigo, a ilustração era de uma biblioteca.

     Minha infância foi sem bichos, mas certa vez um gato começou a frequentar, por sua conta, nosso quintal. Era todo branco e tinha um olho azul e o outro cinza. Ficou durante anos, nunca entrou na casa e um dia desapareceu, tão misteriosamente quanto aparecera. Talvez tivesse sido alertado pelo nome que lhe demos, “Bobi”. Claramente, não éramos pessoas com as quais queria ter muita intimidade.

    Nossos filhos ganharam de presente uma boxer, que chamaram de Rosinha. A Rosinha cresceu sem muitos cuidados, e fora da casa. O que deve tê-la marcado, psicologicamente. Tanto que nas raras vezes em que permitíamos que ela entrasse na casa, ou que ela escapava para dentro, tornava-se frenética. Entrava correndo, derrubando tudo e fazendo xixi por onde passasse, inclusive nos pés das visitas. Era o contrário de cachorro de apartamento: liberdade, para ela, era sair da rua e entrar na casa, o que também lhe dava a ilusão adicional de ser parte da família. É claro que não ficou muito tempo conosco. Não me lembro qual foi seu destino. E é preciso dizer que, no caso de alguns visitantes, ela só fazia nos seus pés o que a boa educação nos impedia de fazer.

    Outro amigo contou que, numa visita a um museu de história natural, apontou um esqueleto de dinossauro e disse para o filho menor que o bicho estava extinto havia 100 milhões de anos. E o filho perguntou: “Isso dá quanto em idade de gente?”.

Luis Fernando Verissimo - Zero Hora

 

 

 

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