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CRÔNICA

 

DOS OITO AOS OITENTA

      Uma sugestiva casualidade aproxima as duas pontas da existência no calendário de datas festivas do Brasil. O Dia do Idoso (1º de outubro), que já flutuou por outras datas, é recente e pouca gente lembra dele. O Dia das Crianças é comemorado regularmente há quase 50 anos, e não é difícil constatar que a maioria dos homenageados do dia está absolutamente convencida de que o feriado na escola e no trabalho dos pais é dedicado a eles (e não a Nossa Senhora de Aparecida, a legítima responsável oficial pela folga prolongada deste fim de semana). O Dia do Idoso é menos uma data de comemoração do que de conscientização – a data foi estabelecida com a implantação do Estatuto do Idoso. O Dia das Crianças é uma das três datas comerciais mais fortes do ano (foi inventado, ora vejam, por uma fábrica de brinquedos), e na maioria das famílias não tem outro sentido que não o de incluir mais um presente obrigatório na lista de exigências infantis.

      Estarem assim, velhos e crianças, separados por brevíssimos 11 dias no calendário festivo, pode sugerir, metaforicamente, que esse intervalo é mesmo muito pequeno – pelo menos para uma das pontas. Se para a criança a idade dos avós parece tão remota quanto as caminhadas na Lua ou os automóveis voadores, para um avô é muito fácil ser tomado por uma nítida evocação da própria infância diante da simples visão do neto empurrando um carrinho de brinquedo no chão da sala. De uma maneira que nenhuma criança, ou mesmo um jovem adulto, é capaz de apreender totalmente, o tempo se estreita conforme vamos passando por ele – e a sensação, às vezes, pode ser a de que não passaram mesmo muito mais do que 11 dias entre a primeira bicicleta e o primeiro neto.

      Um dos filmes mais singelamente comoventes desta temporada promove um encontro de gerações como esse que o começo de outubro sugere, colocando em cena um homem de 80 e um garoto de oito – ambos com alguma dificuldade para encontrar seu espaço em um mundo de adultos sem tempo para brincar com as crianças e sem paciência para ouvir os mais velhos. A animação Up – Altas Aventuras, que ficou mais conhecida no Brasil por lembrar o caso do padre voador, é provavelmente o primeiro desenho de um grande estúdio que tem como protagonista um velho – e não um senhor bonzinho daqueles que distribuem sorrisos e doces, mas um homem amargurado por uma perda e incapaz de se incorporar às regras da cidade barulhenta que cresceu em volta da sua casa. Decide então amarrá-la em um punhado de balões e fugir para a sua fantasia de infância, levando de carona, sem querer, um guri sem-noção – e com um pai distante – que acaba se transformando em seu companheiro de aventura.

      O filme é para crianças, mas a mensagem (e toda a animação sempre tem mensagem) é menos para elas do que para os adultos que as acompanham no cinema. Pois é preciso ter visto já algum tempo se estendendo para trás de nós para entender por que, para deixar de ser um velho rabugento e triste, o personagem precisou desapegar-se de suas memórias mais doces – seguindo em frente com a renovada disposição para ser surpreendido que todas as crianças têm, e que os adultos nunca deveriam perder.

CLÁUDIA LAITANO - Colunista de Zero Hora

 

 

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