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CRÔNICA

 

Não sorria, você está sendo filmado

Martha Medeiros

 

     Sou incentivadora de alguns métodos clássicos para garantir a segurança pública - por exemplo, policiais bem remunerados e bem treinados, e em quantidade suficiente para monitorar as ruas. Mas não sou fanática. Tenho me constrangido com um procedimento que está se tornando comum nos "prédios inteligentes", todos eles de escritórios. Falo dessa mania irritante de nos ficharem na recepção.


     Antes de pegar o elevador, é preciso passar por uma catraca. E, antes da catraca, há os recepcionistas que, não bastasse pedirem nossos documentos (até aí, ok) pedem para nos fotografar e também para que a gente aplique nossa digital num sensor para que a visita fique registrada para a posteridade. Não deve ser muito diferente de entrar num presídio, só que não estou visitando nenhuma cadeia de segurança máxima, quero apenas consultar um dentista.


     Outro dia fui bem antipática num desses halls de entrada. Logo eu, que costumo ser uma flor de condescendência.


     Pediram documentos, dei.


     Pediram para tirar foto, tirei.


     Pediram para aplicar minha digital numa máquina, apliquei.


     Mas minha digital não ficou registrada. Sei lá, o teclado do computador deve ter gasto meus dedos.


     Então, a recepcionista me perguntou: posso passar um hidratante na sua mão?


     Juro, sou calma, uma monja beneditina, mas não vou passar um hidratante qualquer no meio de uma tarde calorenta só porque minha digital não está sendo bem registrada por uma máquina incompetente. Vim trazer minha filha para uma consulta de revisão, e não trazer escondido um celular para um traficante.


     Coitada da moça, estava ali apenas cumprindo ordens. Eu não disse nada disso, não nesse tom, mas admito, me recusei a passar o tal creme. Acabaram me deixando entrar, a contragosto, temendo que eu violasse todos os códigos de segurança e estivesse escondendo uma Uzi embaixo do vestido a fim de cometer uma carnificina naquele prédio todo espelhado. Ah, me deu vontade mesmo de incorporar um Javier Bardem, de cabelinho chanel e portando uma arma de matar gado. Onde os fracos não têm vez, rá-tá-tá-tá.

     Da mesma forma, meu espírito selvagem aflora cada vez que vejo uma placa avisando: sorria, você está sendo filmado! Sorrio nada. E quase viro um Hannibal Lecter quando passo por aquelas portas giratórias e intimidatórias dos bancos, onde revistam nossa bolsa como se vasculhassem nossa alma. Sei que são tempos difíceis e paranóicos, sei que todo esse aparato serve para identificar criminosos, mas cá entre nós: é uma praga essa histeria com segurança. Daqui a pouco essa vigilância insana vai se tornar mais desconfortável do que ser gentilmente assaltado.

 

 

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