Ei, você que está sem tempo; que está sem saco; sem paciência: tudo parece pesar sobre seus ombros? Família, compromissos, dívidas, metas, microvarizes, macroeconomia... Tarefas de ontem para hoje ou, pior, de hoje para ontem. Enxaqueca, pressão alta, índices de colesterol e Dow Jones a preocupar. Clientes, pacientes, impacientes... Você sabe onde foi parar aquele seu sorriso fácil, inocente e franco?
Ele está bem aí, no seu rosto. Só precisa do espelho certo para aparecer.
Eu já comecei a resgatar meu sorrir. Tenho sorte: retiro o espelho mágico de tempos em tempos da gaveta. Fui apresentado para ele faz 10 anos e não pretendo esquecer jamais de sua existência. Descobri no olhar dos amigos de infância o reflexo do meu melhor sorriso. Aquele que tenho mais verdadeiro. Melhor: notei que todos ainda sorriem do mesmo modo diante dos meus olhos. E falam bobagens, recordam histórias, mostram a criança que jamais deixará de existir. Ao menos para quem a deseja viva.
Muitos espelhos me aguardam em outubro.
Há uma tradição na escola em que cursei o ensino fundamental e médio: a cada intervalo de 10 anos, os formandos preparam uma festa. Nada de extraordinário, apenas música, algo para comer e beber, um salão enfeitado. Porém, a experiência de encontrar centenas de amigos de infância transforma completamente o cenário. Juro que nenhuma festa de casamento, batizado, Natal ou Ano Novo supera o índice de sorrisos do reencontro. Sorrisos-espelho.
Um encontro marcado comigo mesmo, aos 17 anos (ou menos).
Nem todas as escolas incentivam este espírito de geração, de turma, de colegas para vida inteira. Sou alguém de sorte. Meus companheiros também. Assim que começamos a organizar o evento, os mais sensíveis se deram conta de que beberão o elixir da juventude: diante de nossa geração, somos todas as idades, inclusive (principalmente) as que ficaram bem para trás. Resgataremos apelidos, vamos nos lembrar dos professores, das roupas e bravatas. Mais: ofereceremos e tomaremos de volta olhares sobre um período formador de nossa história.
Serão poucas horas que valem 10 anos de espera.
Nesta década, desde o último encontro, a vida não parou: entre nós, houve sucessos e fracassos, muitas perdas – algumas tão doídas que brotam lágrimas enquanto escrevo –, nascimentos, formaturas, casamentos, separações, viagens de ida ou de volta. Assunto não faltará, caso o presente entre na ordem do dia. Mas seremos meninos e meninas. Crianças grandes que encontrarão tempo, saco e paciência para dar um nó na rotina e um golpe no calendário. Sorrir tão largo que, de ponta a ponta, alcançará de 1981 até 2011. Como por encanto.
E você: descobriu seu espelho mágico?
Rubem Penz (escritor e músico) na ZERO HORA de 16/julho/2011